Juliana de Lacerda Camargo: "Os dois lados da autocobrança"

A autocobrança é vista como um vilão, pois em altos níveis pode reduzir nossa capacidade de raciocínio e tomada de decisão, mas certo nível dela pode ser bastante producente
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Beatriz Bononi

Em processos de desenvolvimento é comum encontrarmos pessoas que se cobram. São cobranças por fazer certo, por atender às expectativas, por ser melhor, por não ser pior, entre tantos outros. E tais cobranças internas, ou autocobranças, têm muitas possíveis origens – podem vir de históricos familiares, personalidades, aprendizados – e acompanham as pessoas em diferentes ambientes e situações.

Em geral, essas autocobranças vêm sempre carregadas de estresse, pois quem as têm não consegue descansar, uma vez que está sempre procurando evitar uma possível falha, um possível risco de queda, erro ou fracasso e o erro pode ser atribuído a algo tão radical como ‘não ser o melhor em tudo’.

A autocobrança é um tipo de pressão muito poderosa, mas que ao invés de vir de fora pra dentro por situações reais, vem de dentro pra fora em resposta àquilo que a mente encara como pressão, seja olhando de maneira enviesada ou distorcida para o que é real, seja criando fantasias bem distantes da realidade. A autocobrança é, em geral, vista como um vilão, pois em altos níveis pode reduzir nossa capacidade de raciocínio e tomada de decisão, uma vez que nosso sistema límbico é ativado e passamos a filtrar as coisas como ameaças, gerando o que se conhece por movimento de bater ou correr. É por isso que as pessoas que se cobram demais tendem a ser mais reativas, pois os inputs externos representam mais pressão e maior ameaça ao tanque já cheio delas.

Agora, se por um lado a autocobrança pode ser um grande problema para nossa produtividade, certo nível dela pode ser bastante producente. Explico. Quando passamos por qualquer tipo de tensão, dois neurotransmissores são liberados: a dopamina (que gera a química do interesse) e a noradrenalina (também conhecida como norepinefrina, responsável pela química do alerta). Amy Arnsten, neurobiologista de Yale, passou 20 anos estudando o córtex pré-frontal (CPF) e descobriu que para uma sinapse (ligação entre neurônios) acontecer de forma correta no CPF é necessário um nível ideal dos dois neurotransmissores aqui descritos.

Quando a situação é de grande relaxamento, e portanto há pouca ou nenhuma liberação desses neurotransmissores, experimentamos falta de foco, de organização e raciocínio. Há um possível sentimento de marasmo e fica difícil lembrar das coisas ou tomar decisões muito complexas. Por outro lado, quando há grandes níveis de estresse (entendendo que nesse texto falamos do estresse ligado à autocobrança) acontece uma inundação de dopamina e noradrenalina, o que causa uma confusão e sobrecarga nas conexões neurais, quando então nossos sistemas automáticos de bater ou correr tomam conta da cena.

No entanto, quando experimentamos um nível adequado de liberação desses neurotransmissores, acontece também o que o Dr. Mihaly Csikszentmihalyi chama de ‘flow’ – que significa num resumo bem simples o ponto ideal entre atenção e motivação que resulta ao máximo de produtividade com o máximo de prazer. Dessa forma, podemos concluir que certo nível de autocobrança pode ser excelente para a produtividade, enquanto muita autocobrança leva a uma pane de nossas funções executivas.

Agora, como fazer para encontrar esse nível ideal? Dentre várias sugestões dadas por autores diferentes, uma faz bastante sentido pra mim e vem de Kelly McGonigal, psicóloga focada em saúde. Kelly conta que por diversos anos ensinou às pessoas que o estresse era ruim e devia ser evitado a todo custo, até que conheceu um estudo conduzido com 30 mil adultos nos Estados Unidos ao longo de 8 anos. Nesse estudo, os adultos foram questionados a respeito de suas crenças sobre o estresse. Aqueles que eram submetidos a altos níveis de estresse e o encaravam como algo ruim aumentaram consideravelmente os riscos de doenças cardiovasculares após 1 ano, enquanto aqueles que tinham altos níveis de estresse, mas não o encaravam como algo ruim, não aumentaram esse risco. Pelo contrário, seus resultados foram melhores do que todas as demais pessoas do estudo, incluindo aquelas submetidas a baixos níveis de estresse no mesmo período.

Uma conclusão do estudo foi muito curiosa: uma alta quantidade de pessoas morreria dali algum tempo não em função dos níveis de estresse a que seriam submetidas, mas em função do que acreditavam com relação ao estresse. Outro achado foi de que quando mudamos nossa forma de ver o estresse, mudamos também a resposta fisiológica a ele.

Tendemos a encarar as respostas de nosso corpo ao estresse como ansiedade e algo ruim. No entanto, no estudo, Kelly conta que os voluntários foram instruídos a ingressar num teste de estresse social encarando tais respostas como uma energização física do corpo, preparando-os para lidar com o desafio que vinha pela frente. O resultado foi de que aqueles que mudaram sua mentalidade para ver o estresse como uma resposta positiva para a performance ficaram menos ansiosos e mais focados, com reações fisiológicas similares a pessoas em condição de alegria e coragem.

Ou seja, ao vermos voluntariamente o estresse como algo que nos prepara fisiologicamente para lidar com os desafios que vêm pela frente, temos boas respostas fisiológicas e aumentamos as nossas chances de levar os níveis de dopamina e noradrenalina ao ideal para o bom funcionamento do cérebro, em especial o CPF, responsável por nossas funções executivas.

Importante entender que o nível ideal de estresse (=autocobrança) vai depender de pessoa pra pessoa, e por isso é crucial que cada um encontre o seu. Deixo aqui o estímulo após esse texto. Aprenda a entender qual seu nível ótimo de autocobrança e ajude seu cérebro nesse sentido, olhando o estresse como um aliado, e não um inimigo. Pois é… a autocobrança tem seu lado ruim… mas também pode ter seu lado bom.

É isso aí.

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