Releia a entrevista exclusiva que Ricardo Boechat deu para a VERO em 2015

O jornalista recebeu a equipe da VERO na TV Bandeirantes e foi capa da edição de agosto de 2015
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“Tá lindo, chefe!”, “Ô, mestre, está bonitão”, “Nossa, capa de revista, hein?”. Aos 63 anos, o jornalista Ricardo Boechat causa frisson mesmo nos corredores da emissora em que trabalha há mais de dez anos. Essas foram algumas das frases que ouvimos quando ele concedeu esta entrevista exclusiva à VERO – junto com uma seção de fotos – na sede do Grupo Bandeirantes, em São Paulo. A cada investida, ele parava tudo. Cumprimentava, abraçava e agradecia. “Sou assim. De conversar, falar, ouvir, discutir”, conta. Fora dali, na vida real, age da mesma maneira. “Gosto quando as pessoas me abordam, procuro reagir a qualquer abordagem em qualquer circunstância. Se me pedem para fazer uma foto, eu faço; se me pedem para conversar, converso; se me pedem um autógrafo, dou. Quando tem criança, então, eu adoro! Parece que sou candidato a cargo eletivo, pego no colo, faço a maior festa…”, diz, aos risos.

Carismático e polêmico: desde pequeno muito ligado à política brasileira (graças à influência do pai) e a temas de grande interesse público, ele nunca teve medo de se posicionar “contra ou a favor” em relação aos mais variados assuntos. As manifestações populares de 2013 e o recente caso envolvendo o pastor Silas Malafaia são alguns exemplos. “Sou hoje, no jornalismo brasileiro, o âncora que mais dá opinião”, orgulha-se. Depois de passar por O Globo, Rede Globo, O Estado de S. Paulo, entre outros, atualmente faz dupla jornada na Band: de manhã, comanda o noticiário matutino da rádio Band News FM, ao lado de Tatiana Vasconcellos e Eduardo Barão, e à noite divide a bancada do Jornal da Band com Paloma Tocci. “O rádio permite que eu me estenda mais sobre os assuntos. Meu papel ali é de comentarista, analista, intérprete dos fatos. Já a televisão me dá muita satisfação, tem grande repercussão e grande audiência”, conta. Para dar conta da rotina, claro, ele dedica boa parte do dia ao ofício: “Minha jornada começa às 6h da manhã, quando acordo. Entro no ar às 7h15. Vou até as 11h. Depois, na parte da tarde, chego às 15h e fico até as 21h. Ou seja, uma jornada que qualquer jornalista faz. Com a vantagem circunstancial de poder ter o miolo do dia… Almoço em casa, vou na escola das minhas filhas. Trabalho muito, como sempre trabalhei, mas não é desumano. Nem na carga horária, nem na sua natureza”. Ganhador de três prêmios Esso e escolhido em 2014 como o jornalista mais admirado do Brasil pela Jornalistas&Cia, ele ainda tem uma coluna semanal na revista IstoÉ, mas garante que sobra tempo para ser pai, de seis filhos. “Os quatro mais velhos já são adultos e moram no Rio de Janeiro. São meus ‘amigos’. Agora, as duas pequenas, Catarina e Valentina, que têm nove e sete anos, minhas filhas com a Veruska, pra mim, são a maior curtição. É muito diferente ser pai mais maduro. Está sendo uma viagem.”

Você é conhecido por ser muito carismático, isso é natural?

Sou muito de conversar, de falar, ouvir, discutir e polemizar. E estou há muitos anos exposto na mídia. Desde 1996 faço televisão. Eu e qualquer pacote de absorvente que apareça na televisão, naturalmente, chamamos atenção. Agora, no meu caso, tem uma reação pública que é perceptível, as pessoas o abordam, escrevem para você. A forma como eu sou abordado me dá um retorno pessoal muito gratificante. Confesso que, às vezes, acho engraçado. Às vezes, penso: “Que situação gaiata essa em que você está”. Mas é muito prazeroso!

Como se aproximou do jornalismo político?

A política sempre fez parte da minha vida. Meu pai, embora nunca tenha sido político, era militante do Partido Comunista e sindicalista. Então, na minha casa, a discussão sobre política sempre esteve muito presente. E sempre foi um tipo de assunto que me atraiu. Na época da escola, também militei pelo Partido Comunista. Hoje tenho ojeriza a política formal. Mas acho que a política faz parte da nossa vida tanto quanto o oxigênio. Tudo que nos atinge, tudo que diz respeito ao nosso dia a dia, de alguma maneira, queira você ou não, tem política por trás. No Brasil, particularmente, porque é um terreno fértil para você comentar, discutir, especular, nós temos uma atividade política muito intensa e particular. Num nível muito baixo, mas muito ativo.

TV ou rádio? Onde você tem mais liberdade?

Não tenho liberdade distinta entre um veículo e outro, o que seria maluco imaginar considerando que estou dentro do mesmo grupo de comunicação. O que difere é o tempo. O rádio permite, e até demanda, que eu me estenda mais sobre os assuntos. Meu papel ali é de comentarista, de analista, de intérprete dos fatos. Seria preciso achar uma frase absolutamente genial, todos os dias, para dizer, em dez segundos na TV, o que eu comento em dez minutos no rádio. E, obviamente, eu não tenho esse predicado. O rádio fala muito mais de perto com o público, embora careça de imagem, cor e recursos técnicos que a TV tem abundantemente. Mas ele mexe muito mais com a imaginação e até com os sentimentos das pessoas. Você não vê as pessoas terem um ímpeto de pegar o telefone e ligar para o programa de televisão. Já para o rádio isso é comum, pois é um veículo mais popular no sentido de que as pessoas interagem, vibram, se envolvem.

Então, trabalhar no rádio é mais prazeroso para você…

Me completa mais. Televisão me dá muita satisfação, tem uma grande repercussão e uma grande audiência, mas o rádio é um veículo em que estou convivendo há menos tempo, então, até por isso, exerce um fascínio sobre mim, de novidade ainda. É o veículo no qual me permito ser mais eu mesmo. Não que na televisão eu não seja. Mas ela mesma me põe limitações que cerceiam um pouco essa possibilidade de se soltar mais, de improvisar, de errar mais. Acho que a TV estabeleceu um padrão “poser”. É só notar como o público vê as pessoas da TV no jornalismo e como os próprios profissionais se veem. Eles não se veem iguais às pessoas normais, comuns. Se veem um pouco numa instância de divindade. Não sinto a mesma aproximação das pessoas, a mesma intimidade, quando me abordam falando do rádio e falando do Jornal da Band. E olha que eu sou, no jornalismo brasileiro, hoje, o âncora que mais faz caco, que mais dá opinião, e mesmo assim estou longe de fazer como faço no rádio.

“Redes sociais: É o fim do monopólio da difusão, um poder que foi sempre dos jornalistas. Acho isso fascinante!”

Acha que o jornalismo na TV vem tentando se modernizar?

O jornalismo brasileiro na televisão é engravatado, maquiado, emproado e muito antigo. As pessoas acham que modernizar a linguagem no jornalismo é fazer o âncora levantar para conversar com a apresentadora do tempo. Tem dó…

E como deixar a TV mais próxima?

Procurando ser exatamente como um espectador. Eu não vejo as matérias prontas antes de irem para o ar. Sei os assuntos, a pauta e as manchetes, que sou eu que faço. Mas só em algumas raríssimas ocasiões me envolvo na edição da matéria. Então, o jornal vem para mim como vai para você na sua casa. Eu reajo a ele da forma como a pessoa reage no sofá da sala.

Você escolheu a Band ou foi o contrário?

A Band que me escolheu. Estava trabalhando fora da mídia eletrônica quando a emissora me chamou para dirigir o jornalismo no Rio de Janeiro. Comecei fazendo entradas diárias no Jornal da Band, que era ancorado pelo Carlos Nascimento. Depois, com a inauguração da Band News FM, passei a fazer rádio. Vim para cá como qualquer trabalhador vai para qualquer trabalho. Agora, a Band tem um DNA jornalístico muito forte e tem uma tradição muito grande de respeitar a opinião de seus profissionais. Eu e o Boris Casoy, apesar da amizade e do carinho que temos um pelo outro, provavelmente concordamos muito pouco, em muitos aspectos, na opinião política. Eu divirjo também do meu querido chefe, Fernando Mitri, e ele de mim. Muitas posições editoriais da Band não coincidem com as minhas como cidadão, como espectador. Mas em momento algum, em dez anos, tive qualquer constrangimento por exercitar minhas próprias opiniões no ar.

Como as redes sociais mudam o papel do jornalista e do público geral?

Acho que é um mundo novo – e maravilhoso. É o fim do monopólio da difusão, um poder que foi sempre dos jornalistas. Agora quem captura o fato difunde também. Ele mesmo filma, grava, edita e bota o fato na rede. É cada vez maior o número de inserções na rede que alcançam notoriedade que antes só os veículos de massa conseguiam. E isso é uma tendência. Eu acho fascinante. Estou com pena de não poder estar aqui na plenitude disso.

Você também se rendeu a elas. o que está achando?

Na verdade, sucumbi a duas pressões simultâneas. Uma da minha esposa, Veruska, que também é jornalista e há muito tempo ponderava que eu tinha que ter um Facebook. E outra da Band, que resolveu fazer uma página para todos os conteúdos da casa, e falaram que era importante a minha participação nesse movimento. A emissora e minha esposa estão me ajudando muito, e estou achando sensacional. Virou um brinquedo novo na mão de um velho. Tem me surpreendido muito a repercussão de certas coisas, de como os seguidores (é assim que chama, né?) trocam mensagem entre eles, completamente malucas, e é muito legal. Na polêmica com o Malafaia, por exemplo, só tinha gente me elogiando.

Por que você acha que a discussão com o Malafaia chegou aonde chegou (boechat e o pastor trocaram ofensas depois que o jornalista afirmou, em seu programa no rádio, que é nas igrejas neopentecostais onde acontecem incitações à intolerância religiosa)?

O que aconteceu foi um embate provocado por linguagem indevida na agressão que eu sofri e na forma como reagi a ela. Se o debate proposto por ele tivesse sido em termo civilizados, minha reação seria civilizada. Não vou permitir que alguém que me agrida decida em que termos vou responder à agressão. Está longe de mim qualquer desejo de ser o anti-Malafaia. Tenho outras ambições. Ele achou que podia postar comentário a meu respeito em um tom ofensivo e eu achei que podia responder no tom que respondi. Me parece que ele procurou briga e encontrou alguém que briga. Foi ofender e foi ofendido.

Você viu que criaram uma comunidade pra ajudá-lo com a vaquinha contra o processo do Malafaia?

Sim, mas é um gesto de carinho. Não tenho obviamente essa pretensão real. Foi uma brincadeira, movimento típico da internet.

Você é a favor ou contra a redução da maioridade penal? Sou contra. Acho que a realidade social brasileira não produz números, tragédias ou distorções que possam ser resolvidas com encarceramento. Mas esse é um desejo majoritário. Então, embora eu, pessoalmente, entenda que não vai ser uma solução, reconheço como legítima a vontade de uma parte expressiva da sociedade brasileira, de exigir que as autoridades tomem alguma atitude. Agora, a forma como isso foi decidido… Seu Eduardo Cunha diz que é legítimo. Os opositores dizem que não. Vão recorrer ao Supremo, e eu vou ficar esperando pra ver o que será decidido.

“O Brasil não se encontrou ainda, não conseguiu se realizar como nação. É uma sociedade que está envelhecendo sem ter encontrado um modelo que a satisfaça”

O que achou do rompimento do Cunha com a Dilma?

Não acho nada. Sabe quantas vezes vi, nesses 45 anos de jornalismo, a imprensa e os próprios agentes políticos venderem para a opinião pública coisas que ganharam nome de crise institucional e, na verdade, eram retrato de pó de cocô de cavalo de bandido? Dezenas de vezes. Boa parte do que a gente consome como fato político é circo, e boa parte que é circo é fato político. Comento no rádio porque está na ordem do dia, mas é uma bobagem. A política brasileira tem um baixo nível astronômico e muita má qualidade. Arrisco dizer que a escória da sociedade brasileira está na política, e não nas prisões.

No Brasil, vivemos radicalismos entre oposições?

Acho que a gente está um pouco pelancudo. Estamos cheios de “não me toques”, qualquer divergência passa a ser encarada como algo ofensivo, agressivo, sabe? Cheio de “senões”. O Brasil é um país que está há muito tempo vivendo indefinições, dúvidas, é um país que não se encontrou ainda, não conseguiu se realizar como Nação. É uma sociedade que está envelhecendo sem ter encontrado um modelo que a satisfaça. Um Estado que se tornou independente da sociedade e que só tem feito barbaridades. Que rouba muito, que trabalha mais pra si do que para a sociedade – ou quase exclusivamente pra si. Os governantes governam como se não houvesse uma sociedade a ser respeitada, a ser levada em conta, fazem de acordo com seus interesses e seu jogo. E a sociedade se conforma em se manifestar formalmente apenas a cada quatro (ou dois) anos, no processo eleitoral, que de resto não produz as mudanças ou consequências preconizadas nos discursos de campanha. Ou seja, nós temos problemas demais, que exacerbam os sentimentos, os ânimos.

Enxerga alguma solução?

Falta muito para que sociedade brasileira se sinta dona do país, proprietária do Estado. Nós temos políticos ladrões, notoriamente corruptos. Quem deveria chegar ali e dizer “não”? A sociedade. Como é possível que ela não diga não? Alguém vai querer me convencer de que Renan Calheiros é um político que mereça estar onde está porque os eleitores de Alagoas voltaram nele? Em que circunstâncias votaram? Em que nível de consciência política? Então, você acaba vendo que nós temos uma sociedade organizada por agrupamento humano, mas não como grito político e reivindicação.

É questão de tempo para isso acontecer?

Espero que sim. Os otimistas dizem que somos uma sociedade jovem e que, daqui a 500 anos, empataremos com o nível político que prevalece hoje na Europa. Mas a questão, talvez, não seja de tempo, e sim de rumo. Hoje, do jeito que o mundo está, com as pessoas interagindo com essa intensidade, você não precisa esperar as mesmas escalas de tempo que antes esperava para que determinadas mudanças aconteçam. Por que tenho que esperar mais 20 anos para que o meu senador não seja um ladrão explícito? É como desmatamento. Não preciso desmatar toda a Amazônia, como os europeus fizeram com a Europa, para chegar à conclusão de que o desmatamento não é um bom negócio. É uma questão de tempo? Tomara que sim, porque se for, algum dia isso vai melhorar. Mas se for uma questão de rumo, não sei se vai melhorar…

Se você não fosse jornalista, o que seria?

Hoje, depois de velho? Eu quero é me aposentar e depois morrer (risos). Estou brincando. Mas se você me perguntar o que eu imagino que poderia ter sido se a vida não tivesse me levado para onde levou, tenho a impressão de que estaria na área de humanas fazendo algo como direito ou trabalhando no mercado de artes, não como artista, evidentemente, mas como operador, curador. Agora, como ilusão, adoraria tocar um instrumento. Se eu tivesse o dom da música. Mas pode ser que hoje estivesse “puto” por aí, carregando meu violão e tocando no metrô, né? (risos).

Você tem seis filhos. Como dá conta de todos apesar da sua jornada de trabalho?

De quatro deles eu não dou conta mais há um tempo, já são adultos. Moram no Rio de Janeiro, sozinhos. São meus amigos. Agora, as duas pequenas, a Catarina e a Valentina, que têm nove e sete anos, são minhas filhas e da Veruska, que é uma mãe extremada. Daquelas que leva na escola, busca, leva na hípica, na aula de violino, na natação… Ela é muito presente no cotidiano das meninas, e isso me dá um conforto enorme. Diferentemente do que foi com os meus filhos mais velhos, que moravam comigo e eu morava sozinho. Com as pequenas, tem muita coisa com que eu não me envolvo na mesma proporção.

É diferente ser pai mais velho?

Se há alguma coisa que a vida me ensinou é que os filhos tidos numa idade mais adulta são filhos que você curte mais. Você já está mais maduro, já venceu algumas fases mais complicadas e disputadas da vida. Patrimonialmente, já resolveu questões fundamentais. De casa, de imóvel, coisas desse tipo. E você se torna mais tolerante, fica menos exigente com determinadas coisas do convívio e da educação, o que permite usufruir mais prazerosamente esse cotidiano. Então, pra mim, está sendo uma viagem!

“A política brasileira tem um baixo nível astronômico. arrisco a dizer que a escória da sociedade está na política, não nas prisões”

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